Os acertos das regiões brasileiras ao fazer a transição energética no transporte público

Os acertos das regiões brasileiras ao fazer a transição energética no transporte público

Nos últimos anos, a busca pela descarbonização do transporte urbano se tornou prioridade em várias cidades e estados brasileiros. O foco inicial recaiu sobre a eletrificação, vista por alguns como única solução para a redução das emissões de gases do efeito estufa. No entanto, a diversificação tecnológica começa a emergir.

Gestores públicos têm expandido as possibilidades para incluir, além da eletrificação, alternativas como gás natural, biometano, biodiesel, etanol e veículos híbridos. Essa mudança reflete a compreensão de que a transição energética é um processo complexo, que exige soluções flexíveis e adaptadas às realidades regionais.

Neutralidade tecnológica para a transição energética

Essa reversão de tendência para uma visão mais abrangente não é à toa. A diversificação na transição energética da mobilidade reflete a necessidade de neutralidade tecnológica, uma abordagem que não limita as opções e permite a coexistência de várias soluções. Isso é essencial para lidar com os desafios específicos de cada localidade, além de garantir resiliência frente aos aspectos atuais de cada tecnologia e às incertezas globais.

Além disso, questões econômicas e prontidão nas cadeias desempenham um papel central. Fatores como custo de aquisição dos veículos, custo total durante o ciclo de vida, valor e mercado de revenda, necessidade de investimentos em infraestrutura nas garagens de veículos comerciais, necessidade de subsídios públicos e valor da tarifa passam a definir as rotas tecnológicas mais atrativas para cada região. Em muitas cidades brasileiras onde os recursos são limitados, há opções que representam uma ponte viável para a descarbonização.

Recursos locais para o transporte público limpo

Um dos grandes trunfos da diversificação tecnológica no transporte urbano é a possibilidade de aproveitar os recursos disponíveis em cada região. Estados com forte vocação agrícola e disponibilidade de resíduos orgânicos, têm no biogás e nos biocombustíveis uma oportunidade de valorizar sua produção interna e reduzir a dependência de importações. Além disso, essas tecnologias contribuem para a economia circular, reaproveitando resíduos que, de outra forma, seriam descartados sem utilidade.

São Paulo é um exemplo emblemático dessa transformação. O Estado abrange o uso de biocombustíveis e híbridos, além da eletrificação. Na capital paulista, incentivos ao uso de biometano, etanol e biodiesel no transporte público mostram como os biocombustíveis podem ser aliados estratégicos. Em um estado que lidera a produção de etanol, apostar nessa rota é não apenas lógico, mas também economicamente vantajoso.

Outro exemplo importante vem de Curitiba, onde a neutralidade tecnológica é a base das políticas públicas. A cidade explora alternativas como gás natural veicular (GNV) e biogás, aproveitando resíduos orgânicos para gerar energia e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Essa visão é essencial em um cenário no qual diferentes regiões possuem características únicas e precisam de soluções sob medida para os desafios locais.

No Rio de Janeiro, iniciativas recentes reforçam a importância de diversificar as fontes de energia. Um projeto-piloto com ônibus movidos a gás natural e biometano já está em andamento e tem previsão para rodar em 2025. Essa iniciativa não só diversifica a matriz energética do estado, como também aproveita os resíduos sólidos urbanos, transformando o que antes era descartado em uma solução renovável e sustentável.
Fortaleza também ilustra bem esse movimento. O estado do Ceará iniciou testes com misturas de biometano e gás natural, para aumentar a distribuição nacional, reconhecendo o potencial econômico e ambiental do biogás. Se plenamente utilizado, o biogás gerará milhares de empregos na região e reduzirá significativamente as emissões de CO₂, alinhando os objetivos ambientais com as necessidades econômicas de maneira sustentável.

Transição energética sempre carrega desafios

Ainda que promissora, a diversificação não está isenta de desafios. A transição exige planejamento, investimento e políticas públicas consistentes. É fundamental engajar o poder público, a sociedade e o setor privado, ampliando a conscientização sobre os benefícios das múltiplas tecnologias e fomentando parcerias para a expansão da oferta e da infraestrutura necessária.

No entanto, os exemplos citados mostram que o Brasil está trilhando um caminho promissor. A neutralidade tecnológica não é apenas uma escolha pragmática, mas também estratégica. Ao abraçar diferentes rotas para a descarbonização, as cidades e estados brasileiros provam que o futuro do transporte urbano não depende de uma solução única, mas de um compilado de tecnologias complementares.

O Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB) se posiciona como um catalisador dessa transformação, incentivando políticas públicas que reconheçam e estimulem essa diversidade de opções. Afinal, a verdadeira inovação está em entender que a sustentabilidade exige flexibilidade e a capacidade de adaptar-se às demandas específicas de cada realidade.
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José Eduardo Luzzi, coordenador geral do conselho de administração do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB).

Fonte: Automotive Business